Sunday, June 22 2025

            In the middle of Brazil’s intellectual scene, Eduardo Giannetti is a singular kind. His last book – Trópicos Utópicos: Uma perspectiva brasileira da crise civilizatória – is not just an overview on some of his best qualities, but also and invitation to a very ambitious intellectual chore: think about Brazil, its promises and its possible contribution to the civilizational crises the world is facing.

Text by João G Rizek


            No interior do panorama intelectual brasileiro, Eduardo Giannetti é um tipo único. Distante daquilo que anima a maioria dos acadêmicos, escritores e pensadores nacionais – tal como disputas ideológicas e de poder, palanques universitários, colunismo jornalístico, entre outros “cacoetes intelectuais” –, Giannetti soube forjar ao longo dos últimos 20 anos uma obra ímpar em sua criatividade, escopo e concentração. Em que pesem sua formação profissional e sua atividade acadêmica, quase toda a sua obra é rigorosamente indiferente às barreiras entre as disciplinas do conhecimento. Teoria econômica, modelos biológicos, filosofia pré-socrática: apenas alguns exemplos das áreas adotadas com flexibilidade e profundidade por esse pensador que redefiniu, no Brasil, o que é um erudito. Desse modo, a paixão pelo jargão, em Giannetti, é substituída pela paixão pela palavra; a especialidade estéril, pela abertura ao conhecimento; o academicismo oco, à fertilidade das ideias e à criatividade imaginativa. Levando isso em conta, seu último livro, Trópicos Utópicos: Uma perspectiva brasileira da crise civilizatória, não é apenas uma vitrine para suas melhores qualidades, mas também um convite à uma ambiciosa tarefa intelectual: pensar o Brasil, seus desígnios, promessas e sua possível contribuição para a crise civilizatória que assola o mundo. Não é pouca coisa.

            O livro é fruto de uma longa gestação – “se confunde com tudo o que vi, li e ouvi desde quando me dei por gente” –, sintomática do tamanho do problema que o autor se propõe a endereçar, bem como do cuidado quase cirúrgico com que emprega conceitos, constrói argumentos – “sou capaz de passar um dia em um único parágrafo, sem culpa. Quando isso acontece, é uma delícia”[1] – e sugere elos entre as várias disciplinas pelas quais passeia. A forma do livro é peculiar – são 124 microensaios, ou seções –, respeitando uma tradição cara à bibliografia do autor, sempre sensível às formas que emprega: Felicidade – Diálogos sobre o bem estar na civilização (2002), por exemplo, recorre a reuniões fictícias entre quatro amigos bem diferentes entre si para expor temas e problemas caros à filosofia; A ilusão da alma – biografia de uma ideia fixa (2010), por sua vez, é um romance filosófico, uma ficção na qual se esmiúçam as relações entre a mente e o cérebro. Com Giannetti, o conteúdo enseja a forma. Trópicos Utópicos, assim sendo, dificilmente poderia ter sido arquitetado de outra maneira.

            As 124 seções de Trópicos Utópicos são arranjadas em quatro partes. A primeira delas é destinada a mostrar que a ciência falhou em entregar aquilo que havia prometido na aurora da modernidade: o mistério do mundo e o sentido da vida, quanto mais os buscamos, mais se afastam de nós. A segunda parte, por sua vez, trata dos limites do domínio sobre a natureza, capitaneados, sobretudo, pelos avanços tecnológicos e a vocação dominadora do homem. Vale mencionar aqui a preocupação constante de Giannetti com o tema da ecologia, ilustrado em outros trabalhos como O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros (2005) e Auto-Engano (1997). Ambos os livros se aproveitam de exemplos extraídos do mundo natural para ilustrar os argumentos perseguidos pelo autor. Além disso, Giannetti, como é sabido, atuou como consultor nas duas campanhas da presidenciável Marina Silva – algo que em meio ao pobre debate nacional de ideias só serve para desqualificá-lo ou alocá-lo em algum canto inerte da discussão.

            Dando prosseguimento ao mapeamento do pequeno livro (163 páginas), a terceira parte afirma que os ganhos civilizatórios e o crescimento econômico testemunhados na história recente do mundo não necessariamente levaram a um aprimoramento ético e intelectual da humanidade, conforme seus entusiastas haviam formulado. Já na quarta parte do livro – a mais interessante e original de todas –, o autor se propõe a realizar um exame das utopias e do caráter brasileiro, buscando pincelar algo próprio à nossa constituição nacional de modo a sugerir soluções para os problemas apontados nas partes anteriores. Como se vê, a tarefa é ambiciosa.

            Ciente do tamanho do problema que propõe – tanto naquilo que tange seus diagnósticos sobre o fracasso do projeto moderno quanto na busca por nosso lugar no mundo –, a forma encontrada por Giannetti se mostra capaz de encará-lo. As seções funcionam mais pincelando os problemas que apresentam do que propriamente esgotando-os. Há na ideia de utilizá-las uma tentativa de abrir a leitura a um maior número de interpretações possíveis. Autônomas que são entre si, ligadas por uma infraestrutura sutil, as seções permitem uma relação mais profunda de atração e síntese, sem dano aparente ao encaminhamento do argumento geral do livro. Trata-se portanto, da parte de Giannetti, mais de adotar uma perspectiva no jogo de interpretações do que elucidar o quadro todo. Pois muito possivelmente não exista outro modo de encarar os “três ídolos da modernidade – a ciência, a tecnologia e o crescimento econômico – e os seus impasses oriundos desse culto”[2], tal como afirma o autor no prefácio. Do mesmo modo, talvez só a estrutura dos microensaios possa oferecer “um esboço de utopia do anacronismo-promessa chamado Brasil”. Em última instância, Giannetti é cioso daquilo que defende em toda sua obra e em especial nesse livro: a ciência, e por certo o conhecimento em geral, só podem nos dar um pequeno vislumbre dos problemas mais complexos da existência. Procurar exauri-los através de uma filosofia sistemática e de um pretenso aporte integral dos problemas em questão só terminaria por suprimi-los mais ainda, evidenciando o abismo entre nós e eles. E o Brasil, sabemos, não é para principiantes.

            No entanto, por mais que a forma do livro seja capaz de endereçar temas tão complexos de maneira funcional e, de certo modo, original, existem problemas que Trópicos Utópicos tem dificuldade de encarar, mesmo de soslaio. Curioso que um livro voltado a analisar o Brasil e extrair dele um modelo civilizatório capaz não apenas de mostrar a que viemos, mas também fornecer uma resposta local aos problemas globais, concentre-se efetivamente pouco nos problemas do país. Não há dúvidas de que Eduardo Giannetti é um intelectual único em sua capacidade de balancear o pragmatismo criterioso com a metafísica mais abstrata. “Se o sonho descuidado do real é vazio, o real desprovido de sonho é deserto”. Há, contudo, uma sensação de que certos problemas poderiam ser melhor delineados. Faltam, em suma, problematizações mais contundentes dos conceitos e visões que o autor adota.

            Para desenhar sua utopia à brasileira, entre outras coisas, Giannetti faz uso de alguns capítulos da história nacional. Dela, extrai algumas personalidades e dados que só poderiam existir, no limite, em um país como o Brasil. A democracia racial, o caldeirão de culturas, a felicidade diante da vida mesmo nas condições mais adversas: Giannetti aponta para essas e outras características urdidas ao longo da história para apontar para um Brasil futuro possível. O problema, mesmo levando-se em conta a sutileza e atenção com que o autor aborda essas questões, é que muito daquilo que forma o Brasil ainda está em disputa. Mesmo a história do país, de tempos em tempos, é chamada a ser revista. Há de se perguntar como forjar uma utopia utilizando elementos tão movediços. Os alicerces do Brasil, ao que parece, estão sempre sendo repintados, obedecendo a moda da vez. Longe de ser uma falha no argumento geral do livro, essa fixação em elementos e características brasileiras ainda em disputa aponta para a feição pessoal da utopia de Eduardo Giannetti. Trópicos Utópicos é a proposta pessoal de uma utopia – sem danos nem deméritos a um projeto dessa monta.

            “Quem somos nós? Qual o lugar do Brasil no mundo e o que nos distingue como nação?” – são algumas das perguntas que abrem Trópicos Utópicos. As respostas, contudo, ficarão a cargo do leitor; das interpretações possíveis cada um de nós traçará uma utopia aceitável. Não é possível esquecer que a publicação do livro aparece em um momento sensível do Brasil contemporâneo. Pensar e refletir sobre uma utopia à brasileira hoje, em especial, exige não só capacidade para lidar teoricamente com o problema, mas coragem moral para lança-lo na arena pública do debate.

            Em sua utopia, Eduardo Giannetti inverte a direção: há de se pensar o Brasil prospectivamente – “a imperfeita ocidentalização do Brasil (…) é também a fonte da nossa esperança” –, não mais retrospectivamente, como fizeram os grandes intérpretes nacionais. Resta saber, no entanto, se nosso futuro realmente chegará um dia ou, se cumprindo os desígnios trágicos que nos assolam e imobilizam diariamente, ele já chegou. Mesmo se for o caso, a utopia ainda será tema de ocupação de um pensador – e tema de um belo livro, é preciso dizer.

João G. Rizek é critico e historiador da arte. É cofundador do projeto de entrevistas Arte Conceituando (arteconceituando.com). Mora em Berlim.

[1] Trecho extraído de uma entrevista concedida recentemente ao Valor Econômico, disponível em: <http://www.valor.com.br/cultura/4620515/o-profeta-analitico>. Todas as outras citações desta resenha são provenientes do livro Trópicos Utópicos: Uma perspectiva brasileira da crise civilizatória, São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

[2] Ou como afirma o autor na sessão intitulada Santíssima Trindade: “No panteão do mundo moderno, três ídolos usurparam o trono dos antigos deuses: o avanço da ciência é o pai; o progresso da tecnologia é o filho; e o crescimento da renda e riqueza é o espírito santo, amém.

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5 comments

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