Este texto é um ensaio em favor de um currículo crítico-libertador. Para sustentar essa posição, ele inicia a argumentação pela constatação da politicidade inerente a toda prática educativa e a toda concepção curricular. Ele segue assumindo um conceito de currículo e evidenciando que, dentre os vários elementos que constituem o currículo escolar, podemos destacar a “seleção dos conhecimentos escolares” como uma das principais decisões curriculares a ser tomada pelos professores e escolas. O texto finaliza a sua reflexão apontando alguns pressupostos e implicações do currículo crítico-libertador para o processo de seleção dos conhecimentos escolares significativos, ressaltando a possibilidade e a necessidade dessa perspectiva curricular quando assumimos o compromisso em favor de uma educação libertadora.
Texto de Valter Martins Giovedi[1]
1. A educação é política: a escola e seu currículo também
Em um sentido bastante amplo, pode-se dizer que toda ação humana que interfere na vida de uma coletividade é uma ação política. Nesse sentido, não há como fugirmos da política. Ela está impregnada em nós pelo simples fato de termos nascido em uma coletividade humana.
Toda ação ou omissão nossa em relação a tudo aquilo que afeta a coletividade (seja ela a nossa família, a comunidade em que vivemos, a escola em que estudamos ou trabalhamos, a universidade na qual atuamos, o grupo religioso ao qual eventualmente pertencemos, o ambiente profissional no qual trabalhamos, a cidade e o estado em que moramos, o país em que vivemos, o mundo ao qual pertencemos…) é uma prática política.
Não tem como escapar. Se você não vai até a política, ela vai até você, já que ela faz parte da sua natureza como ser humano. Por isso, é tolice alguém dizer que não se envolve com política. É possível sim que uma pessoa não se envolva com partidos políticos. Porém, com a política é impossível a pessoa não estar envolvida: ou você é sujeito de ações/omissões que interferem na vida coletiva; ou você é um sujeito que tem a sua vida afetada por ações/omissões de outras pessoas que interferem na sua vida.
Diante disso, tudo o que se passa em uma escola como um todo, no seu currículo, e na sala de aula, está permeado pela política. Cada tomada de posição efetiva dentro de uma escola é uma posição política.
Grosso modo, podemos dizer que há duas posições políticas possíveis: ou pela manutenção de uma determinada ordem social dominante, ou pela mudança dessa mesma ordem social dominante[2]. Por isso, é fundamental conhecermos a ordem social em que estamos inseridos. Essa é a única maneira de sabermos se a nossa ação como profissionais da educação está contribuindo com a reprodução do mundo que está dado, ou com a sua transformação em favor de uma outra realidade.
A possibilidade de transformação de uma dada ordem social está fundamentada no fato de que toda ordem social é histórica e, portanto, sujeita a mudanças. No caso de boa parte do mundo, a história dos povos está marcada por autoritarismo, permissividade, miséria, pobreza, preconceitos, machismo, homofobia, desrespeito pelas diferenças, destruição ecológica, exploração, individualismo, indiferença, violência, competição pela sobrevivência etc. Diante desse contexto, uma escola, o seu currículo e as práticas pedagógicas de seus professores podem ser fomentadores desse cenário ou confrontadores dele. No primeiro caso, a educação escolar ajuda a perpetuar essa realidade. No segundo caso, contribui para a superação dela. Por isso, a questão política e existencial fundamental que cada um de nós educadores deve responder é: De que lado estou? A favor de quê e de quem a minha prática educativa se posiciona? Qual realidade a minha prática político-pedagógica ajuda a construir?
2. O que é o currículo?
A reflexão proposta até aqui deve ser considerada quando pretendemos entender o que é o currículo. Primeiro, é preciso dizer que o currículo praticado por uma escola e por seus professores pode estar a serviço da manutenção da ordem social instituída ou de sua transformação. Segundo, é preciso termos clareza de que não existe unanimidade entre os teóricos da educação sobre o conceito de currículo.
Na linha de pensamento de Freire (2000) e de Saul (2010), defendo uma visão bastante ampla de currículo, entendendo-o como todas as ações e discursos que são produzidos por: 1) todos os sujeitos que atuam na escola (diretores, coordenadores, professores, alunos, funcionários, pais etc.); 2) por aqueles que se dirigem a ela (legisladores, governantes, secretários de educação, mantenedores, dirigentes de ensino, supervisores etc.); e 3) pela própria escola a partir de sua lógica de funcionamento cotidiano (forma de gestão, organização dos tempos e espaços, arquitetura, modo de agrupamento dos estudantes, rotinas estabelecidas etc.). (GIOVEDI, 2012).
Uma visão assim tão ampla de currículo exige que eu escolha algum aspecto do currículo para priorizar nesse texto, já que não é possível (nem que eu tivesse mil páginas) falar de tudo o que está acobertado por esse conceito proposto.
Dessa forma, opto por priorizar o tema da seleção dos conteúdos escolares. Penso que esse é um dos pilares fundamentais de sustentação do currículo de uma escola. A seleção dos conteúdos diz muito sobre a posição política assumida pela escola e por seus professores.
3. A seleção dos conteúdos como uma das principais decisões curriculares
Inicio esse tópico esclarecendo que as ideias que serão defendidas aqui não estão ligadas ao trabalho de uma disciplina específica, tampouco estão ligadas apenas ao trabalho com um segmento específico da escola. Defendo que professores de todas as áreas do saber e de todos os segmentos (infantil, fundamental, médio, educação de jovens e adultos, ensino superior, pós-graduação etc.) podem se referenciar nelas para criarem práticas pedagógicas significativas junto aos seus estudantes, ainda que eu reconheça que há contextos que favorecem mais as iniciativas crítico-libertadoras e outros que não favorecem tanto assim.
Duas questões se impõem a partir desse momento: Quem deve selecionar os conteúdos e as sequências a serem trabalhadas em sala de aula? Qual deve ser o critério de seleção dos conhecimentos escolares?
A resposta a essas duas perguntas depende da posição política da escola e do professor. Se a escola e o professor acreditam que o papel da educação é adaptar os alunos ao mundo que aí está (mundo capitalista competitivo em que só os mais fortes prevalecem), então, os conteúdos devem ser aqueles impostos pelo sistema e pelos seus instrumentos de exclusão e de segregação social: ENEM, vestibular, mercado de trabalho etc. Por outro lado, se a escola e o professor acreditam que o papel da educação é assumir uma postura crítica diante do sistema vigente, visando a difundir valores e práticas contra-hegemônicas, então, os conteúdos devem ser selecionados de outra maneira e com base em outro critério.
Junto a Paulo Freire e a tantos outros educadores críticos, defendo que o papel da educação escolar é contribuir para que os estudantes possam desvelar as razões da opressão em que vivem, compreendendo tais razões de modo rigoroso e vislumbrando a possibilidade de superá-las a partir do engajamento político em ações coletivas transformadoras. Por opressão, estou entendendo todas as formas de relações sociais e culturais, e de condições socioeconômicas e políticas, que impedem que os seres humanos vivam de modo digno: a pobreza, a miséria, a falta de moradia, a falta de saúde decente, a falta de transporte, a falta de segurança, a falta de comida, o machismo, o racismo, a homofobia, o preconceito de classe, o autoritarismo, a falta de atendimento a todos os tipos de exigências da vida humana etc. Ou seja, o papel da escola é contribuir para a transformação da realidade social. Do contrário, ela e o professor estão sendo coniventes com a reprodução de uma situação que aceita que milhões de vidas humanas (e também de outras espécies) sejam sacrificadas em favor de uma minoria de poderosos.
Diante disso, defendo que a seleção dos conteúdos escolares em todos os segmentos e em todas as áreas do saber, bem como de suas sequências, em cada escola concreta, deve ser feita pelo professor, preferencialmente junto com a equipe escolar, com base nas situações de opressão vividas pelos alunos e pelas comunidades às quais os alunos pertencem. Essas situações de opressão e a visão que os alunos possuem dessas situações devem ser os dois critérios fundamentais de escolha dos conteúdos escolares. Portanto, não são os alunos que devem atender aos conhecimentos escolares estabelecidos por um sistema ou por um material didático abstrato já pronto. São os conhecimentos escolares que devem atender às necessidades existenciais concretas dos alunos.
Se a nossa opção é pela democracia, tanto no que diz respeito à democratização dos bens materiais (comida, habitação, saúde, remédios, transporte, meio ambiente saudável…) e culturais (educação, lazer, conhecimento, tecnologias, cinema, teatro…) produzidos pela sociedade, quanto à democratização das relações cotidianas (com participação de todos os afetados nos processos decisórios), é necessário que os educandos tenham participação direta na definição dos conteúdos programáticos (e de suas sequências) que serão trabalhados em sala de aula. No próximo item, pretendo explicar melhor como isso pode se dar.
4. O que são conteúdos significativos?
Um dos graves problemas que precisa ser superado no nosso sistema escolar hegemônico diz respeito à falta de significado dos conteúdos escolares para os nossos alunos. Ainda que esse não seja o único motivo para a falta de interesse de muitos dos estudantes pelos conhecimentos escolares, penso que ele é um dos principais.
Em relação a esse assunto, precisamos tomar cuidado com uma posição que pode parecer democrática, mas que, na verdade, recai em uma visão pedagógica licenciosa, que acaba mais atendendo os caprichos dos nossos alunos do que propriamente lidando com as suas necessidades concretas. Refiro-me aqui àquela postura pedagógica que busca organizar o trabalho de sala de aula a partir dos interesses individuais ou grupais dos estudantes. Nesse caso, a escola e o professor passam a acreditar que os conteúdos de sala de aula devem ser definidos pelas preferências pessoais dos educandos, perguntando-lhes, através de uma enquete, o que eles gostariam de aprender. Ora, nesse caso, os educandos, por exemplo jovens, sempre vão enumerar temas que estejam de acordo com os seus interesses imediatos, tais como: sexualidade, drogas, estilos musicais, futebol, baladas, namoros etc. Digo isso pois já cheguei a fazer esse tipo de consulta junto aos meus alunos. Eles dificilmente vão dizer que querem aprender sobre a importância dos pensadores do século XIX ou sobre como resolver problemas a partir de gráficos de equação de 2º grau.
Ou seja, do mesmo modo que é um grande equívoco a escola e os seus professores pretenderem ensinar conteúdos prontos e selecionados sem escutar os estudantes, também é um grande erro cair na posição espontaneísta que defende que a escola deve ensinar aquilo que os estudantes querem. No primeiro caso, estamos lidando com uma concepção de conteúdos arbitrários sem sentido. No segundo caso, estamos lidando com conteúdos idiossincráticos e limitados.
Se a nossa posição é a de que o papel dos conhecimentos escolares é ajudar os nossos alunos a compreenderem a realidade existencial concreta que lhes envolve no sentido de transformá-la, não sendo passivos diante dela, mas assumindo-se como sujeitos históricos, o primeiro passo é buscarmos descobrir o que eles pensam sobre o mundo e como explicam esse mesmo mundo.
Porém, de qual mundo estou falando? Refiro-me aqui à realidade local dos estudantes. O que eles pensam da sua comunidade? O que acham do seu bairro? Qual ou quais o(s) maior(es) problema(s) que veem nesse contexto em que vivem? Como explicam esse(s) problema(s)? Quais são as hipóteses que eles têm sobre o cotidiano? Como acreditam que esse(s) problema(s) pode(m) ser enfrentado(s)?
Quando ousamos fazer essa investigação com os nossos estudantes antes de selecionarmos os nossos conteúdos, estamos mapeando o modo pelo qual eles explicam a realidade em que se situam. Percebemos que as explicações que eles possuem para a realidade podem ser bastante incompletas, ingênuas, distorcidas, invertidas, ideologizadas, mistificadoras. Em suma, em grande medida, são explicações que se situam no nível da aparência dos fenômenos, sem conseguir enxergá-los de modo crítico, rigoroso, sistematizado. São as visões de mundo com as quais os nossos alunos chegam para nós. Diante delas, qual é o nosso papel enquanto professores críticos que assumem um compromisso com uma educação emancipatória?
Primeiro, devemos valorizar essas visões de mundo dos nossos estudantes, buscando compreender seriamente a lógica que eles utilizam para compreender a realidade. Segundo, devemos sistematizar essas visões de tal modo que tenhamos um mapa mais ou menos preciso da realidade concreta dos nossos alunos. Terceiro, precisamos confrontar as visões de mundo dos nossos estudantes com as nossas visões enquanto educadores, identificando quais os tópicos dos nossos campos de saber que melhor podem ajudar os nossos educandos a superar as suas visões iniciais. Quarto, precisamos levar para os estudantes a nossa proposta de trabalho para o semestre ou ano letivo e perguntar o que eles pensam dela, o que sugerem de mudanças, o que sugerem incluir etc.
Quando realizamos esse trabalho de pesquisa sociocultural e selecionamos os nossos conteúdos a partir das informações que coletamos junto aos nossos alunos, estamos propondo conteúdos significativos. Ou seja, os conteúdos significativos, na perspectiva crítico-libertadora, são aqueles conhecimentos escolares que só os professores podem selecionar e sequenciar a partir do que descobrem, investigando o modo pelo qual os estudantes compreendem a realidade imediata em que vivem. A compreensão crítica dessa realidade é a condição subjetiva fundamental para que os estudantes possam se inserir criticamente nela na busca por transformá-la.
Minha experiência, como professor de Filosofia do Ensino Médio de uma escola pública do estado de São Paulo, mostrou-me que, quando trazemos conteúdos significativos para a sala de aula e assumimos uma posição dialógica diante dos nossos estudantes, eles tendem a assumir uma postura participativa em relação ao nosso campo do saber e em relação às nossas aulas. O encontro no contexto da sala de aula deixa de ser um momento burocrático de realização de tarefas ritualísticas pelas quais nós fingimos que estamos ensinando e eles fingindo que estão aprendendo. Os alunos passam a ser desafiados: não por alguma pedagogia que apela para as “aulas-shows”, o que, por sinal, considero extremamente pernicioso para a educação. O que os atrai é a possibilidade de participar de um processo dialógico de construção de explicações para as situações de vida que lhes envolvem.
Nesse sentido, não estamos a serviço do vestibular, do ENEM, das habilidades e competências definidas pelos “gênios” dos ministérios e secretarias de educação, de cumprimento de livros didáticos ou de sistemas apostilados. Estamos a serviço do nosso compromisso ético-político de transformação da realidade. Estamos a serviço da construção de uma sociedade em que todos possam participar das decisões, exercendo a participação e a decisão no contexto da sala de aula. Em suma, não estamos atendendo as expectativas alienantes que vêm de fora da escola. Estamos lidando com as necessidades daqueles sujeitos concretos que frequentam a escola.
5. Papel do professor: mero executor ou criador de currículo?
Inicio este item com uma citação de Paulo Freire para que fique muito clara a sua posição a respeito do papel do professor diante do currículo:
É preciso gritar alto que, ao lado de sua atuação no sindicato, a formação científica das professoras iluminada por sua clareza política, sua capacidade, seu gosto de saber mais, sua curiosidade sempre desperta são dos melhores instrumentos políticos na defesa de seus interesses e de seus direitos. Entre eles, por exemplo, o de recusar o papel de puras seguidoras dóceis dos pacotes que sabichões e sabichonas produzem em seus gabinetes numa demonstração inequívoca, primeiro de seu autoritarismo; segundo, como alongamento do autoritarismo, de sua absoluta descrença na possibilidade que têm as professoras de saber e de criar. (FREIRE, 2003, pp. 15-16)
Nos últimos tempos, aqui no Brasil, estamos vivendo uma verdadeira epidemia de “pacotes curriculares” produzidos por empresas educacionais. Esses “pacotes” se apresentam como se fossem grandes inovações pedagógicas: a solução para os problemas da educação do século XXI; o tal do currículo do século XXI. Se olharmos além das aparências, veremos que todos obedecem a uma mesma lógica: controlar o trabalho do professor, retirando-lhe a sua autonomia ou desfavorecendo a possibilidade dos professores e das professoras de desenvolverem a sua autonomia. É a redução do professor à condição de mero executor de um projeto pedagógico que não lhe pertence. Até bem pouco tempo, chamávamos isso de alienação.
Ao contrário disso, insisto na necessidade de que os professores e professoras se coloquem na posição de criadores(as) de currículo, a partir dos conhecimentos que os seus alunos já trazem para a escola, como condição para que os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula sejam significativos para os estudantes.
Não há como os docentes assumirem essa posição sem que corram algum risco. Geralmente, o sistema autoritário, que quer controlar as pessoas a qualquer custo, não vê com bons olhos as iniciativas que levantam a causa da autonomia. Cada um de nós deve avaliar o contexto em que está inserido e identificar quais são as possibilidades de resistência à lógica curricular hegemônica. Trata-se de um risco que vale a pena na medida em que nós possamos colher os frutos dessa iniciativa todos os dias em que estrarmos na sala de aula. Não há nada mais frustrante para um professor do que entrar todos os dias em sala de aula sem esperar mais nada de novo. Deve ser muito ruim viver uma vida que você fica contando os dias que faltam para se aposentar. Sei que essa é a situação de inúmeros colegas de profissão.
A descoberta de quais são os conteúdos significativos para os alunos só pode ser realizada pelos professores e por ninguém mais. Por mais genial que seja um técnico de gabinete, ele nunca poderá adivinhar quais são as necessidades existenciais dos grupos de alunos, de cada professor, em cada escola concreta. A invenção da escola como espaço significativo para os estudantes (e também para os educadores e educadoras) depende da atitude docente de abertura para as visões de mundo que os alunos já trazem para a escola. A sala de aula é fundamentalmente o lugar em que ocorre o confronto das visões de mundo dos educadores e dos estudantes. Aí se dá a construção do conhecimento significativo. Criar condições para que isso ocorra é o nosso papel enquanto professores criadores de currículo.
6. Enfim, um currículo crítico-libertador para a escola do século XXI
É preciso reconhecer que outros olhares podem ser lançados para responder a questão implícita no título desse texto: Qual deve ser o currículo para a escola do século XXI? Diferentes perspectivas axiológicas, políticas, pedagógicas etc. dão respostas bem diferentes a essa mesma pergunta.
O que não posso aceitar é aquela posição que se considera eminentemente técnica, dizendo-se pura em relação a qualquer horizonte político e axiológico. Em outras palavras, trata-se daquela posição ingênua ou arrogante que pensa que tem A RESPOSTA que é boa para todos os interesses da sociedade, pois ela acredita que paira acima deles. Geralmente, essa posição esconde a sua crença de que a educação escolar deve formar pessoas para a adaptação à realidade política, econômica, social e cultural vigente.
Não é essa a educação e currículo que defendo para o século XXI. Penso que a educação é, por natureza, uma prática que assume uma posição diante dos problemas que assolam a humanidade. Tais problemas não nasceram no século XXI. Boa parte deles já está diante de nós há vários séculos. Na vida dos nossos alunos, tais problemas se concretizam como expressões locais de questões muito mais amplas. Nossos alunos não têm acesso ao lazer, à saúde de qualidade, à habitação digna, à segurança, à participação política…; sofrem discriminações, presenciam o cansaço de seus pais depois de dias de trabalho estafante, têm medos, angústias, anseios, sonhos… Esses problemas precisam ser trazidos para a sala de aula e compreendidos criticamente com a ajuda dos professores que dominam determinados campos do saber. Nossas disciplinas trazem conhecimentos preciosos, que podem ser instrumentos poderosos, a partir dos quais os nossos alunos podem compreender como transformar o mundo, lutando contra as injustiças. Elas devem estar a serviço dos nossos estudantes e não eles a serviço dos nossos conhecimentos.
Em suma, para tratar do tema do currículo para a escola do século XXI, propus um recorte: o dos conteúdos escolares (já que não é possível dar conta de tudo o que envolve o currículo). Também assumi uma perspectiva ético-política específica: a do currículo crítico-libertador. Espero que alguns leitores possam se identificar com as ideias aqui defendidas e levá-las, na forma de debate e de sugestão, para os seus respectivos contextos de atuação educacional.
Bibliografia:
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.
______. Criando métodos de pesquisa alternativa. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense, 1981.
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
______. Pedagogia do Oprimido. 41ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
______. Professora sim, tia não. 13ª ed. São Paulo: Editora Olho d’água, 2003.
GIOVEDI, Valter Martins. O currículo crítico-libertador como forma de resistência e de superação da violência curricular. Tese de Doutorado. PUC – SP, 2012.
SAUL, Ana Maria A. A construção do currículo na teoria e prática de Paulo Freire. In: APPLE, Michael W.; NÓVOA, António. Paulo Freire: política e pedagogia. Cidade do Porto: Porto Editora, 1998.
______. Currículo. IN: STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime J. (orgs.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
______. Paulo Freire: um pensamento para compreender e pesquisar questões do nosso tempo: ética, docência e políticas públicas em educação. São Paulo: Ed. Articulação Universidade/Escola, 2005.
[1] É professor do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES-Brasil); é membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Paulo Freire (GEPPF) dessa mesma instituição; é membro da Rede Freireana de Pesquisadores que congrega estudiosos da obra de Paulo Freire, de seu legado e de experiências educacionais espalhadas pelo Brasil, inspiradas nesse legado.
[2] Apesar disso, nem sempre é fácil avaliar se determinada ação, omissão ou posição foi na direção da manutenção ou da transformação da ordem. Às vezes, só o tempo pode nos dar essa resposta.
O conteúdo acima me ajudou significativamente em minhas pesquisas!