Existe um paradoxo animando a cultura brasileira. Ao mesmo tempo em que é devidamente reconhecida mundialmente por sua pluralidade e riqueza, sistematicamente cultuada e estudada, reverenciada e até copiada, nossas manifestações carecem de presença substancial nos debates nacionais. A distância entre celebração e reflexão é imensa. Uma cultura incapaz de pensar a si própria é uma cultura fadada ao automatismo e à impossibilidade de renovação.
Texto de João G Rizek
O espaço da cultura na mídia nacional, ao que parece, vem diminuindo paulatinamente: revistas de grande circulação dedicadas ao tema praticamente já não existem; cadernos e suplementos de cultura dos principais jornais do país encolheram sensivelmente ou deixaram de serem publicados; repórteres são escalados para cobrir eventos para os quais não têm formação específica. Para um país cioso de sua benção cultural, a falta de debate na mídia é preocupante.
A cultura une o Brasil. Desde o Descobrimento, passadas as primeiras interações entre nativos e europeus, notabilizadas por sua violência e sanha colonizadora, viu-se surgir uma conjugação complexa entre heranças africanas, européias e indígenas. Desse encontro tenso e improvável, o Brasil lançou as bases daquilo que ficaria conhecido como sua cultura e sua arte – esta, a ponta de lança daquela. Para tanto, a mídia teve um papel de inestimável importância. Através dela a cultura pôde ganhar destaque, balizar seus debates e, no limite, mostrar ao Brasil uma nova forma de entender a si próprio.
Historicamente, a mídia mostrou-se terreno fértil para os debates que consolidaram movimentos artísticos e culturais importantes no país. No século 19, por exemplo, quando da consolidação dos grandes jornais, escritores encontraram uma plataforma de onde pudessem publicar suas obras. Já no século 20, vários manifestos artísticos ganharam espaço na mídia imprensa, realocando o Brasil num contexto cultural global, podendo deste modo atualizar suas premissas artísticas e suas ambições estéticas. Hoje, ao que parece, a mídia brasileira dedica pouco espaço à cultura, sugerindo um largo intervalo entre a exaltação que dela se faz e de sua reflexão, sua crítica e seu debate. Na outra ponta desse paradoxo, a própria cultura encontra-se em falta.
Ao contrário daquilo em que muitas vezes se acredita, a cultura precisa da reflexão e do pensamento para se tornar visível, assim como a arte precisa de educação e de práticas metódicas para florescer. Ambas, arte e cultura, não nascem do nada. A cultura é resultado de convergências simbólicas e de arranjos extremamente complexos cujo desenvolvimento se dá de maneira mais ou menos consciente. Para alimentar a cultura é preciso saber pensá-la de modo sério e sistemático. A arte, igualmente, precisa ser levada a sério: centros de formação artística (conservatórios, escolas, etc.) precisam ser construídos, do mesmo modo como muitos dos locais já existentes precisam ser reformulados e reformados. Duas são, deste modo, as palavras de ordem: reflexão e investimento.
Um novo Ministério da Cultura está sendo formado. Com um dos menores orçamentos dentre os 39 ministérios da União, espera-se que ele seja capaz, entre outras coisas, de apontar objetivamente qual ideia de cultura defenderá, pois, sabemos, há tantas definições do conceito quanto são seus intérpretes. Portanto, para que consiga equacionar adequadamente suas limitações, ambições e obrigações é preciso que o ministro Juca Ferreira e sua equipe saibam exatamente aonde querem chegar e o que pretendem tornar visível, tanto a curto quanto em longo prazo. Nessa empreitada, cujas reverberações e resultados sugerem uma ótica diversa da eleitoreira, dado que trabalha com regimes avessos à lógica funcional, a mídia tem diante de si um trabalho importantíssimo: balizar o debate e fomentar a crítica, com seriedade e sem condescendência, pois, creio, só assim estaremos à altura da cultura e das potencialidades que nos cercam.
João G. Rizek é historiador da arte. É formado em cinema e mestre em música.