No Brasil, a Filosofia passou quase cinquenta anos longe do currículo oficial de ensino das escolas. Em 2008, ela foi reintroduzida, depois de uma longa luta, travada desde a época da abertura política do país. Frente à consolidação de seu ensino, é urgente a reflexão acerca de sua metodologia: que caminho percorrer?
Por Yasmin Afshar
No Brasil, a luta pelo recente reestabelecimento do ensino de Filosofia nas escolas se iniciou no contexto da redemocratização do país, ao longo da década de 1980.
Durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), a Filosofia havia sido matéria obrigatória para o 3o ano do colegial, passando a ser optativa na década de 1960, até desaparecer completamente dos currículos durante toda a ditadura militar (1964-1985). Neste período, a educação foi concebida sobretudo como capacitação de uma força de trabalho que deveria corresponder às necessidades da expansão econômica do país.
Diante de uma escola que se moldava às demandas tecnicistas do nacional-desenvolvimentismo, a Filosofia era matéria inútil. No período de abertura política, principalmente a partir da promulgação da Constituição de 1988, setores da sociedade civil se organizaram para debater e reformular as diretrizes da educação no país. Surgiu, neste momento, a demanda pelo retorno da Filosofia às escolas. Trata-se, portanto, de um fato recente: somente em 2008 a Filosofia foi incluída no conjunto de disciplinas obrigatórias cursadas no Ensino Médio. Desde então, uma questão urgente foi colocada aos educadores: qual é a metodologia mais adequada ao ensinar jovens em seu primeiro contato com a Filosofia?
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Desde que a Filosofia passou a fazer parte oficialmente do programa do Ensino Médio, em 2008, seu ensino vem se consolidando em todo o Brasil.
Cursos de licenciatura em Filosofia vêm sendo abertos nas Universidades e revistas de divulgação ou especializadas vêm sendo publicadas. Acrescente-se a isso que nunca se publicou tantos e tão variados livros didáticos da matéria e que, desde 2012, uma parte significativa das questões de humanidades do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que permite a entrada nas Universidades federais, abrange conteúdos filosóficos. Em decorrência disso, a especificidade do ensino de Filosofia é cada vez mais reconhecida e, neste contexto, é crescente o interesse de pesquisadores e educadores pela reflexão acerca do método a ser aplicado, ou seja, pelo caminho a ser percorrido em sala de aula.
Um dos aspectos metodológicos mais discutidos é a organização dos conteúdos[1], que tem se estabelecido em torno de três eixos principais:
1) cronológico,
2) temático e
3) problematizador.
O primeiro eixo se distingue por se orientar pela sucessão das filosofias no tempo histórico. Assim, os alunos retomariam conhecimentos adquiridos na disciplina de História para compreender as diferentes filosofias e seus conceitos, situando-os no tempo histórico. Acredita-se que este modelo fornece um menor grau de arbitrariedade dos temas selecionados. No entanto, quem arbitra a escolha dos “grandes momentos” da história da Filosofia? Por que a filosofia deve ocupar geograficamente uma determinada região? Por que dar ênfase a este e não àquele filósofo de um determinado período?
A organização temática, por sua vez, procura tratar de assuntos que perpassam mais ou menos toda a história da Filosofia, como a liberdade, o Estado, o corpo, a morte, etc., sem contudo aborda-los obrigatoriamente de forma cronológica. Ela propõe que se organize o conteúdo em torno de temas que toquem diretamente a experiência de vida dos jovens, mostrando, ao mesmo tempo, que conceitos do passado podem ainda operar no presente. Ainda assim, o curso pensado desta forma pode recair em uma apresentação dos recortes temáticos das diversas filosofias, fazendo parecer que a Filosofia se resume a uma coleção de opiniões autorizadas.
Finalmente, a terceira concepção sugere que os conceitos filosóficos sejam aprendidos a partir da construção gradual de problemas. Desse modo, os jovens se engajariam na observação de sua realidade – através da sensibilização –, na identificação de questões a serem respondidas – levantando hipóteses – e, finalmente, na utilização de conceitos da tradição filosófica para resolvê-las – ao investigar textos para a conceituação. Trabalhar a partir dos problemas significa fazer uso tanto da cronologia, quanto dos temas da história da filosofia – mas somente depois de o estudante se deparar com o problema e formulá-lo com a linguagem de que dispõe. Desta forma, procura-se, portanto, o exercício criativo da aprendizagem, substituindo a mera absorção de conteúdos prontos a serem repetidos em situação de prova.
A organização dos conteúdos filosóficos a partir de seus problemas parece ser a mais adequada para a atividade filosófica. Afinal, a Filosofia deve atrair jovens pensadores pela exigência vital de seu exercício, e não pela coleção de conhecimentos filosóficos a ser mantida na estante ou carregada embaixo do braço.
A Filosofia deve mostrar sua especificidade na necessidade da suspeita das aparências das coisas do mundo e, mais ainda, do pensamento pelo próprio pensamento. Os conceitos da história da Filosofia devem servir como ferramentas para essa problematização que deve ser a preocupação principal daquele que convida os jovens ao filosofar.
[1] Para este assunto, conferir o artigo “Chegou a hora da Filosofia” http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/116/artigo234074-1.asp do professor Silvio Gallo, que me serviu de apoio na escrita deste texto. Sílvio Gallo é professor da Faculdade de Educação da Unicamp e tem muitas publicações sobre o ensino de Filosofia, como Deleuze & a Educação, Metodologia do ensino de Filosofia: uma didática para o Ensino Médio e o livro didático Filosofia: experiência do pensamento.
Yasmin Afshar é professora de Ensino Médio em Escola Estadual na zona sul de São Paulo e formada em Filosofia pela Universidade de São Paulo.