Sunday, June 22 2025

Vemos atualmente escolas regulares rejeitando ou mandando embora alguns alunos com deficiência, ou o que é ainda pior, aceitando esses alunos mas os excluindo dentro das salas de aula, com pouca ou nenhuma adaptação curricular. O ensino da Dança proporciona o aprimoramento da imagem e consciência corporal do aluno, bem como sua criatividade, expressividade, habilidade motora e cognitiva, além de promover a auto-afirmação e valorização da auto-estima. A arte pode ser, assim, a porta de entrada para a valorização das relações humanas e construção de uma sociedade universalmente mais justa e igualitária.


Por Flora Bitancourt Sapienza Gramorelli

Quando ingressei na faculdade de dança na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em São Paulo, tinha comigo a certeza que buscava um caminho para transmitir às pessoas o amor que eu sentia pela arte de dançar e tentar entender o por que me sentia tão bem ao sair de uma aula ou de um espetáculo. Com o tempo fui entendendo a importância dessa nova forma de comunicação, uma comunicação mais sensorial e menos racional.

Ao longo da graduação tive diversas matérias que aprofundaram o meu autoconhecimento, o contato com a minha expressão interior, minhas memórias corporais, como por exemplo as técnicas de educação somática, dança contemporânea, e a experiência com a metodologia Bailarino-Pesquisador e Intérprete da Profª. Dra. Graziela Rodrigues. Mas foi em 2010, ao fazer um período de estudos em Portugal que tive a oportunidade de conhecer a Dança Movimento Terapia, uma linha de pesquisa que parte do princípio que mente e corpo estão conectados e que, portanto, exercitando o corpo você estará consequentemente exercitando a mente. Desde então, e pelo aprofundamento nestas pesquisas, pude em 2011, ao regressar ao Brasil, idealizar o projeto MOVIMENTARTE.

O Movimentarte trata-se de uma iniciativa que tem o intuito de divulgar através de aulas de dança, palestras, oficinas e workshops a importância da Dança e da Arte no desenvolvimento das pessoas. Acreditamos na força da arte como um novo caminho de transformação social. Temos o objetivo de potencializar o desenvolvimento das pessoas com deficiência e abrir uma ponte para que a sociedade possa se integrar a esse universo.

A arte ajuda a expressar o que não se consegue apenas com palavras. Assim sendo, a dança, como linguagem artística, é um meio de comunicação. Como define Castilho (J. Gomes, S.,  2003 Dança e Educação em Movimento, p.109): “A dança permite materializar o movimento da vida [.]” Portanto, é de extrema importância que a dança esteja presente na educação de todas as pessoas, mas para além disso observamos que ela se tornou uma ferramenta essencial no desenvolvimento da autonomia e independência de pessoas com deficiência. O ensino da Dança proporciona o aprimoramento da imagem e consciência corporal do aluno, bem como sua criatividade, expressividade, habilidade motora e cognitiva, além de promover a auto-afirmação e valorização da auto-estima. Acredito que todos têm algo a contribuir para o mundo e que a arte pode ser a porta de entrada para o contato com a própria essência e os próprios valores. Com a valorização das relações humanas podemos construir uma sociedade universalmente mais justa e igualitária.

O tema da deficiência deve ser visto de forma mais ampla, e as lutas pelos direitos não devem ser travadas apenas por aqueles que a vivenciam de perto. Devemos enxergar  essa discussão como uma oportunidade de avaliar alguns valores humanos, como a resiliência e a empatia, ou seja, saber se colocar no lugar do outro, sem tantos preconceitos e julgamentos, aprender a respeitar as diferenças e valorizar a beleza da diversidade.

Hoje o deficiente ainda sofre rejeições retrógradas, como ser ignorado na rua, receber um olhar de piedade, ou até mesmo o distanciamento de seus concidadãos no espaço público. Um verdadeiro absurdo que vem carregado não só de ignorância, mas de desrespeito iníquo. De acordo com o IBGE (Censo/2010), cerca de 24% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. E ainda assim, são extremamente escassas as atividades culturais e artísticas voltadas para pessoas com deficiência intelectual.

O tema da deficiência ainda é muito marginalizado e pouco debatido. Há menos de uma década as pessoas com deficiência começaram a sair de suas casas, onde eram escondidas e excluídas por conta de suas deformidades. Não se pode negar que foram muitos os avanços na inclusão social de pessoas com deficiência, porém alguns pesquisadores ainda demonstram que a inclusão  permanece—e muito—somente no campo da teoria, e pouco se vê na prática. Como complementa Eliene Alvez (ALVEZ, E. Indicadores de inclusão euridianos, 2011):

“no nosso país, o exercício desses direitos é dificultado por conta das precárias oportunidades oferecidas, o que incide no insuficiente atendimento aos sujeitos com necessidades educativas especiais (estruturas física e humana).”

E isso é comprovado na prática. Ainda hoje, vemos escolas regulares rejeitando ou mandando embora alguns alunos com deficiência, ou o que é ainda pior, aceitando esses alunos, mas, os excluindo dentro das salas de aula, com pouca ou nenhuma adaptação curricular.

Portanto, constatamos que a maioria das escolas brasileiras estão despreparadas para receber esses alunos e observamos que a falta de conhecimento é o maior vilão do processo de inclusão, na educação e na sociedade brasileira como um todo. As políticas públicas atuais estão, em sua maioria, voltadas para o cumprimento do direito dos alunos com deficiência estarem dentro das escolas regulares, e muito pouco para o desenvolvimento de um plano de inclusão e reestruturação institucional que prepare verdadeiramente os gestores e professores dos estabelecimentos de ensino. Tampouco existem ações como as representadas pelo Movimentarte, com o foco no desenvolvimento da pessoa com deficiência, buscando a exploração do potencial individual de cada um, sem tentar importar modelos externos tão distantes daquela realidade e possibilitando uma inclusão mais verdadeira, integrada e humana.

A visão que o nosso projeto propõe e busca defender é a necessidade de oferecer uma nova abordagem à educação inclusiva, reconhecendo a arte como um caminho mais efetivo e inovador. Oferecemos uma estrutura de aprendizagem que parte de dentro para fora. Acreditamos que as pessoas precisam entrar em contato com elas mesmas, desenvolvendo o conhecimento de si. Assim, é possível abrir espaço para absorver os ensinamentos do mundo e melhorar o convívio em sociedade, respeitando as diferenças, os limites e características de cada um, sem reduzir a maioria das pessoas a estereótipos.

Flora Bitancourt Sapienza Gramorelli é membro docente da Cia das Artes e professora de dança e movimento criativo na Associação para o Desenvolvimento Integral do Down (ADID). Formada em Artes Corporais-Dança pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), especializou-se em Dança Movimento Terapia com pesquisas em Lisboa e Londres. Ela é a idealizadora e coordenadora do Movimentarte, projeto indicado a premiações nacionais e internacionais.

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