
This article concisely presents the results of a research on the relation between employed mothers and their children’s difficulty on learning both how to read and write. It thus analysis women displacement from domestic work to the job market and its social and affective implications.[1]
Texto de Elizabeth Cordeiro da Rocha
As mulheres foram, aos poucos, firmando sua presença no mercado de trabalho, conquistando novas áreas e vencendo resistências. Mesmo assim, a situação apresenta-se distante da considerada ideal. Além de ganhar menos que os homens, o gênero ainda é empecilho para a ocupação de determinadas funções, consideradas masculinas. Muitas das mulheres trabalhadoras pertencem aos estratos sociais mais baixos e sofrem o estigma de não serem consideradas boas mães, já que a falta de creches e escolas públicas, em tempo integral, limita ou dificulta sua responsabilidade, historicamente construída, de cuidar dos filhos.
Até o início do séc. XX, as mulheres brasileiras que praticavam atividade remunerada só o faziam em serviços domésticos, como lavadeiras e engomadeiras, e faziam-no em casa. A partir dos anos 20, começam a aparecer as operárias industriais, em quase sua totalidade solteiras (mesmo que já fossem mães) e jovens. A mulher casada só trabalhava fora de casa em caso de viuvez ou abandono do lar por parte do marido – o que era raro – e se estivesse longe da rede de parentesco, como no caso das migrantes. Como se consideravam os trabalhos domésticos virtudes femininas, as que iam para as fábricas eram aquelas que não possuíssem tais habilidades, e, por isso mesmo, recebiam o adjetivo de mães relapsas. A moralidade da época ditava que os homens deveriam assegurar o sustento da família, trabalhando no espaço de rua, e que as mulheres casadas deveriam ficar em casa, sob a tutela masculina. Em São Paulo, já em 1901, quase a metade do operariado têxtil era feminino.
Nas fábricas, a rotina de trabalho era muito pesada, com 10 a 14 horas diárias. Faltava legislação trabalhista que promovesse e garantisse os direitos das trabalhadoras, não havia condições de higiene nem condições de trabalho. Os salários eram extremamente baixos e alguns domingos eram trabalhados para compensar os feriados na semana.
No início do Séc. XX, devido à importância que se dava à paternidade, as crianças das classes populares cujas mães trabalhavam em atividades públicas (prova da ausência de pai, avô ou tio e, consequentemente, da falta de castidade da mãe) eram consideradas filhos de ninguém e circulavam de lar em lar, pedindo comida para sobreviver. Quando denunciadas, as crianças eram entregues às instituições filantrópicas ou dadas para algum casal criá-las, e as mães perdiam a guarda das crianças por serem consideradas inaptas para a maternidade.
Quando não eram mães solteiras, as mulheres podiam contar com as redes de apoio familiar. Tais redes eram acionadas em caso de separações – muito raras, de viuvez ou de doenças que impedissem o pai de cuidar de seus filhos. Essas redes eram formadas por parentes mais próximos e por outras pessoas que recebiam a função de apadrinhar os filhos dos amigos, de tal maneira que, mesmo na maior penúria, a mulher casada não deveria descuidar dos filhos para trabalhar fora.
Na década de 50 do século passado, cresceu a participação feminina no mercado de trabalho, com destaque no setor de serviços: em escritórios, no comércio ou em serviços públicos. Entretanto, os preconceitos continuaram. Acreditava-se que, trabalhando, a mulher deixaria de lado seus afazeres domésticos e os cuidados com o marido e os filhos. O magistério era o curso mais procurado pelas moças, por se assemelhar à função da mãe.
As mulheres vivem, atualmente, em outro momento. A lógica da dependência diante dos homens não mais rege a condição feminina nas democracias ocidentais. Enfraqueceu-se o ideal da mulher no lar. Conquistou-se o direito à dissolução do vínculo de casamento, legitimaram-se o acesso ao estudo e ao trabalho, o direito ao voto, a liberdade sexual e a opção à maternidade como algumas das manifestações do direito da mulher de se autogovernar. É possível à mulher dirigir seus próprios caminhos, em todas as esferas da existência, no mundo contemporâneo.
O último censo (2010) informa que 37,3% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres e a proporção de colocações com carteiras assinadas subiu para 39,8% nesse período. Enquanto as mulheres brancas são a maioria das trabalhadoras com carteira de trabalho assinada (58,4 %), as pretas ou pardas compõem a maior proporção das trabalhadoras domésticas com ou sem carteira assinada (57%).
Assim, tudo nos leva a crer que é essa maioria que ganha pouco e sofre a discriminação de gênero (recebendo salários desiguais nas mesmas tarefas dos homens) que compõe o quadro das mães das crianças das escolas públicas. Aqui se faz necessário, então, conceituar gênero. O conceito de gênero, que antes só pertencia à gramática, foi transportado para a medicina e a psiquiatria e, depois, para as ciências sociais. A noção de gênero não prescinde da diferença anatômica do sexo, mas importa saber o que isso significa e quais são os estereótipos ao redor dos quais os indivíduos de um mesmo sexo se organizam numa determinada cultura. Para o feminino, o que é ser mulher e como sê-lo, estão instituídos no imaginário social e implantados de fora, estando construídos portanto, por enquanto, dentro das relações de dominação. (ALONSO, 2002:25).
A criança evolui por etapas…
Desde o nascimento, a criança é Sujeito Cognoscente e torna-se aprendente à medida que se apropria da linguagem do grupo onde está inserida e na vida cotidiana. Nas escolas, ensina-se primeiro a escrever e depois a ler, contrariando a lógica do cotidiano. Os signos aprendidos que, muitas vezes, não têm significado para as crianças são vistos como meros segmentos fônicos, nada representando. Qualquer aprendizagem só se dá de fato quando o sentido está presente. As crianças que ingressam nas escolas tendo o costume de ver e ouvir os pais ou responsáveis ler e escrever valorizam a lecto-escritura. Gostam mais ainda, se as pessoas que escrevem e leem com elas, para elas ou, simplesmente, na frente delas têm com essa criança laços afetivos.
A criança inicia a construção e apropriação de novos conhecimentos a partir da troca, da relação e da interação com o outro. A presença do outro efetiva a realização do conhecimento. Sobretudo para as classes populares, o pedagogo que estiver comprometido com o sucesso de suas crianças deverá promover alguma forma de motivação secundária, para evitar não só o insucesso na lecto-escritura, bem como a evasão escolar. Assim, é necessário despertar o prazer de estar na escola, o carinho e um intenso afeto que funcione como motivação principal. Todo o aprendizado envolve, dialeticamente, os campos afetivo e cognitivo.
No nível afetivo, a criança descobre o mundo mágico da leitura pela voz, cheia de significados, da pessoa em quem ela mais confia e com quem se identifica. Para descobrir o prazer da leitura, essa é a melhor maneira. Essa relação de compartilhamento afetivo faz surgir vigorosamente os recursos cognitivos e linguísticos. No entanto um grande número de crianças das classes populares não vivencia essas experiências. Como vimos acima, hoje a maioria das crianças vivem com mães que trabalham fora e ganham pouco, o que lhes obriga à maior carga de trabalho. Ao chegarem em casa, ou não dispõem de tempo (há necessidade de fazer o trabalho doméstico), ou estão esgotadas pelo cansaço, ou as crianças dormem, ou não se pode perder o programa de televisão. Nesses lares, pouco ocorre a audição de textos escritos. E nós iniciamos o aprendizado da leitura ouvindo alguém ler…
Na idade certa, praticamente todas as mulheres pobres que trabalham matriculam seus filhos nas escolas. Lá são submetidas às metodologias tradicionais. Como o/a professor/a dão aulas para a classe – e não poderia ser de outro modo – tanto as crianças que tiveram experiências prévias com a leitura – cada vez em menor número – como as outras terão o mesmo tipo de aula. A escola tem seus limites e não é possível ao professor substituir esse afeto, essa atenção especial e individual que a mãe pode oferecer.
As crianças cujas mães trabalham e se ausentam de casa por dez ou doze horas,
“Sabem pouco, não por falta de curiosidade nem por falta de capacidade, mas porque não tiveram a quem perguntar no momento oportuno, porque não havia alguém por perto que pudesse responder as perguntas que todas as crianças se colocam no início, porque não tiveram a oportunidade de confrontar suas escritas iniciais com as escritas produzidas por outros (e enfrentar os conflitos que estas confrontações acarretam).” (FERRERO, 1992:71)
As mães da classe trabalhadora, preocupadas em prover as necessidades básicas de seus filhos, sentem-se sobrecarregadas com as exigências das crianças. Quando estas pedem orientação, normalmente, as mães deixam que busquem as respostas por si próprias. No entanto o diálogo e a busca de soluções em conjunto por que se nutre afeto pode favorecer a estrutura linguística e condiciona o que a criança aprende, estabelecendo os limites dentro dos quais a aprendizagem futura terá lugar. A leitura e a escrita não podem ser consideradas atividades isoladas do processo de desenvolvimento da criança, fazendo parte da evolução da linguagem que se inicia logo nos primeiros dias de vida da criança. A compreensão da palavra impressa (leitura) e a expressão da palavra impressa (escrita) são os estágios superiores do desenvolvimento da linguagem.
As crianças dependem das mães, ou de suas substitutas, que as ajudem a desenvolver a habilidade para a escrita. Nisso estas são insubstituíveis, pois a complexidade da aprendizagem da lecto-escritura exige da criança muito esforço e persistência. Contudo, se houver o reforço afetivo e individual de uma mãe, a atividade será tão prazerosa. Resta saber como a mãe trabalhadora, que ganha pouco, que na maioria das vezes é mantenedora do lar e que exerce dupla ou, às vezes, tripla jornada de trabalho conseguirá ter tempo, e/ou paciência para ler com e para sua criança. E, no entanto, a necessidade concreta da criança é cognitiva e afetiva. Tais necessidades não satisfeitas geram carências intelectivas por toda a vida.
A importância da afetividade das mães com seus filhos, sobretudo na tenra idade é fundamental. Para que se produza uma geração que desenvolva as competências necessárias para o sucesso profissional e pessoal, há de se começar com o aprendizado da lecto-escritura. Portanto, rever as grandes questões relacionadas à independência feminina, à inserção no mercado de trabalho e à revolução sexual que a deixou com o encargo de manutenção de seus filhos, sem liberá-las das funções especificas da maternidade ,é o desafio da educadora comprometida com a escola pública. Isso porque tal situação é ainda mais grave nas camadas populares devido aos salários baixos e às explorações de gênero e de classe.
Elizabeth Cordeiro da Rocha é pedagoga e psicopedagoga clínica e institucional. Professora do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental I, nas redes municipal e estadual de São Paulo. Atua na periferia, por opção e gosto.
[1]Este texto é a atualização de um trabalho realizado em 2005, que se encontra disponível no site http://www.oswaldocruz.br/download/artigos/social13.pdf
BIBLIOGRAFIA
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FERRERO, Emilia – Com todas as letras – 4ª. Edição – São Paulo: Cortez, 1992
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REVISTAS
INSTITUTO ETHOS O compromisso das empresas com a valorizaçao da mulher. São Paulo: Instituto ETHOS, 2004.
Revista do SEBRAE, n°8 –marco/abril de 2003- O gênero feminino e suas particulariedades. Artigo de LEVINAS, Lena.págs 58 a79.
SITES
http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2747
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