In the exhibition which ended on 5 January, at the Pompidou Center, we could see for the first time a large amount of paintings executed by this artist known for inventing new categories of art objects. In his Duchamp’s biography, Calvin Tomkins relates that one day, after a dinner with friends at his place, “Marcel read to her (his wife Teeny) some passages of the book of Alphonse Allais, which made them both laugh”. It was a book of puns and humorous texts. The exhibition makes a pun with même, “even” in French, which when said aloud evokes the expression m’aime, “loves me”. This ambiguity exists also in another work of Duchamp La Mariée mise à nu par ses célibataires, même (the bride stripped by her Bachelors, even). In this case the induced version would be: the bride stripped by her Bachelors, loves me. This way of saying without saying or making layered versions, features throughout Duchamp’s works.
Em 1913 construiu um objeto sem função aparente simplesmente porque gostou do som que produzia, uma roda de bicicleta sobre um banquinho. Nesse momento Duchamp inaugurou uma operação que se repetiu algumas vezes na história da Arte Moderna, que é a supressão da alegoria. Em 1915 deu o nome para essa categoria de objeto: Ready-made, em inglês, porque gostou da sonoridade, disse ele, talvez por algum significado que ainda não foi esclarecido. O Ready-made surgiu como um objeto não alegórico, não metafórico, não mimético, um objeto que se apresenta e não representa. Um objeto autônomo, que não depende de significados ou subtexto, um verdadeiro espelhamento da maneira como o humano é. Essa tentativa de tornar o objeto de arte independente se repetiu quase que simultaneamente no Suprematismo, depois da Segunda Guerra com os textos de Clement Greenberg, e nos anos setenta com a Arte Conceitual, principalmente com o texto de Joseph Kosuth, A Arte depois da Filosofia.
O mais interessante é que uma a uma essas propostas foram deixadas de lado com o retorno à alegorização da obra de arte. Ao mesmo tempo que Duchamp nomeava a sua nova categoria de objeto em 1915, dava início ao seu Grande Vidro, com a Noiva e seus Solteiros. Disse que o Grande Vidro não era uma pintura para ser vista, mas para ser lida, e que ele era uma máquina sexual e a noiva, o motor dessa máquina. Ao mesmo tempo que inaugurava a categoria dos objetos não alegóricos elaborava a sua obra com mais camadas metafóricas, a sua última pintura, dada como “definitivamente inacabada” em 1923.
Nesta exposição e no catálogo editado para a ocasião foi possível, pela primeira vez, ver em conjunto as pinturas de sua fase inicial e a forma como as alegorias foram elaboradas.
Em 1910 e 1911 experimentou vários estilos, formalmente as primeiras pinturas se relacionam com o impressionismo, fauvismo e cubismo. Mas o que chamou a atenção na exposição foram os temas dessas pinturas, por exemplo os nus, como Femme nue aux bas noirs ou Femme nue assise dans un tub, ambas de 1910. Nesta última, a mulher olha diretamente para o observador com expressão seria e triste, parece que vai se virar, ficar de frente e abrir as pernas para se lavar, mas não parece ter água na banheira, como se ela estivesse simulando um banho e recebesse instruções do artista, por isso a expressão de desagrado. A mulher não é uma noiva, pois não existe sedução nem erotismo, a cena tem a crueza do cotidiano. A carne branca, meio esverdeada e as pernas abertas prenunciam o nu que estará no seu último trabalho, Étant donnés, executado de 1946 a 1966. Em outra pintura, Nu rouge, também de 1910, a luz frontal, como um flash fotográfico ou uma luz forte como uma luminária, achata a imagem e tira as sombras. A modelo nua na cama numa cena doméstica está distraída, sem se importar com o artista. Sua perna esquerda têm linhas pretas geométricas pintadas sobre a pele, como se a intenção fosse reduzir os seus volumes a sólidos. A mulher parece estar olhando para essas linhas, mais uma vez a crueza das carnes, mas agora avermelhada.

Femme nue assise dans un tub, 1910
Óleo sobre tela, 92×73 cm[2]

Nue rouge, 1910
Óleo sobre tela, 92,2×73 cm[3]
Nesses dois anos o artista realizou retratos, paisagens, pinturas simbolistas, mas os corpos como assunto reaparecem em pinturas geometrizadas com alegorias de reis, rainhas, virgens e noivas. Jeune homme triste dans un train mostra uma imagem ambígua, não é possível perceber onde está o jovem ou onde estão os bancos, existem volumes que se multiplicam e se sobrepõem, todos em cores escuras, tons de sépia, mas com contornos pretos que aparecem em alguns momentos, como na perna da mulher avermelhada. São desses dois anos também imagens sobrepostas, como se os corpos pudessem habitar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Em sua entrevista a Pierre Cabanne, Duchamp diz que “a quarta dimensão virou uma coisa de que se falava, sem saber o que significava. O que hoje ainda é feito, aliás”[4], mais adiante refere que “aquilo que nos interessava, naquele momento, era a quarta dimensão. Na caixa verde há uma pilha de notas sobre a quarta dimensão”[5]. Duchamp ainda cita um autor, Povolowski, que teria escrito poemas sobre a quarta dimensão em um jornal da época, mas na nota de rodapé é feita uma correção que diz se tratar de Gaston de Pawlowski, autor de Viagem ao País da Quarta Dimensão, publicado em forma de contos na revista Comoedia a partir de 1908. Antes disso, em 1884, Edwin Abbott Abbott, havia publicado Flatland, a romance of many dimensions[6]. A pintura do homem triste num trem começa a tratar dessas questões que envolvem tempo e espaço, o tempo relativo dentro do trem e fora do trem, o passado e o futuro. Um ser que dominasse a quarta dimensão poderia ir de ontem em Paris para amanhã em São Paulo, num estalar de dedos. O que Duchamp parecia querer retratar era o que este ser poderia ver enquanto se deslocasse entre as dimensões, como os corpos e objetos se atravessariam durante a viagem.
Le roi et la reine entourés de nus vites, 1912
Óleo sobre tela, 114,6×128,9[7]
Mas com o Grande Vidro, essa vontade se dilui no suporte transparente, o vidro se mistura e admite outros objetos e corpos, a pintura passa a tratar de dimensões alegóricas, a noiva e os solteiros, a máquina sexual, a noiva que atrai mas nunca é tocada.
De 1946 a 1966 Duchamp realizou secretamente sua última e mais enigmática obra Étant donnés: 1º la chute d’eau, 2º le gaz d’éclairage…. Esta obra, um misto de cenografia, diorama, escultura e instalação, aparece na exposição representada em uma maquete, pois o original não pode sair do Museu de Arte da Filadélfia por razões de conservação. Nesta obra se espia por dois buracos em uma porta antiga de madeira e se vê um corpo feminino nu, deitado na relva com as pernas abertas. O público, sem querer, se torna um voyeur e só se dá conta disso depois que olhou, quando já é tarde. Lacan fala desse desejo do olhar em sua análise de Las Meninas de 1656, de Diego Velázquez, “você não vê de onde eu te olho. É uma fórmula fundamental para explicar o que nos interessa em qualquer relação do olhar. Se trata da pulsão escópica e mais precisamente, no exibicionismo como no voyeurismo, mas não estamos ai para ver se no quadro alguém percebe, ou se algo acontece.”[8]. O olhar pelo orifício é o olhar congelado, medusante, um olhar sem ver, um olhar que olha para si próprio. Lacan identifica o centro da pintura de Velázquez, “no centro deste quadro está o objeto oculto, que não deve se desviar da sagacidade do analista – não estou aqui para explicar sobre um determinado tema fácil-, mas para chamá-lo pelo seu nome ainda válido no nosso registro estrutural e que se chama a fenda”[9]. No Étant donnés o olhar cego vê a fenda, que está no centro da obra, não mais escondida em baixo do vestido como na pintura das meninas, mas atrás da porta, através do orifício. A fenda é o retorno, tanto a casa que todos já habitamos, como às primeiras pinturas com os nus, o retorno à Femme nue assise dans un tube de 1910, que olha para o artista segurando os tornozelos ensaiando os movimentos da mulher sem rosto do Étant donnés.
Étant donnés : 1º la chute d’eau,
2º le gaz d’éclairage…, 1946-1966
Technique mixte, 242,6×177,8×124,5 cm [10]
Sérgio Romagnolo é artista plástico e professor. Cursou artes plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado, passando a lecionar na mesma fundação entre 1985 e 1986. É professor no Instituto de Artes da UNESP desde 2007. Em 2009 fez exposição retrospectiva no Instituto Tomie Ohtake, onde mostrou mais de 80 obras, entre elas a série ” A feiticeira e as máquinas”, composta por pinturas, esculturas, desenhos e vídeos.
[1] Tomkins, Calvin. Duchamp, uma biografia, São Paulo, Cosac & Naify, 2005, p. 499.
[2] http://www.libellus-libellus.fr/article-marcel-duchamp-richard-baquie-wim-delvoye-chassez-l-intrus-111230421.html
[3] http-//www.gallery.ca/fr/voir/collections/artwork.php?mkey=9253
[4] Cabanne, Pierre. Marcel Duchamp: Engenheiro do tempo perdido, Perspectiva,
São Paulo, 1987, pag. 36.
[5] – Cabanne. Marcel Duchamp, pag. 66.
[6] No Brasil, Planolândia, um romance de muitas dimenções, Conrad, 2002, São Paulo, 126 pgs.
[7] http-//dadasurr.blogspot.fr/2010/03/marcel-duchamp-v-autour-du-grand-verre.html
[8] Lacan, Jacques. Seminário 13, aula 18, 18 de maio de 1966. http://www.bibliopsi.org/descargas/autores/lacan/LACAN/Lacan-%20TODO!%20Psikolibro/16%20Seminario%2013.pdf s/pag.
[9] – Lacan. s/pag.
[10] http://dubmonitor.com/review-rrose-eating-the-other/