dimanche, juin 22 2025

When there is a lack of ethics, corruption, usually politicians are blamed, when there is a lack of education, usually the parents, the school and the teachers are blamed, and when there is a lack of citizenship, it seems that it is the fault of the alien, the other, that does not know how to behave here. We will see that these preconceptions lead us to the path of the self exempt responsibility. Ethics, education and citizenship have in common: prepare us for action. On the one hand, these are topics of easy and recurrent communication, on the other hand, they are matters of grave, complex and difficult attitude. Compulsory in the curriculum of life, ethics, education and citizenship are everyone’s responsibility, and also result from the past decisions from those who are already dead. It is necessary to reassume the world.

Text by Larissa Barbosa Nicolosi Soares


 

Introdução

Quando há falta de ética, na corrupção, normalmente os culpados são os políticos, quando há falta de educação, normalmente os culpados são os pais, a escola e os professores e quando há falta de cidadania, parece que a culpa é do estrangeiro, do outro, que não sabe se comportar aqui. Veremos que essas pré-concepções nos conduzem ao caminho do autoexímio da responsabilidade. A ética, a educação e a cidadania têm em comum: nos preparar para a ação. Se por um lado, são matérias de leve, recorrente e fácil comunicação, por outro, são matérias de pesada, complexa e difícil atitude. Obrigatórias no currículo da vida, a ética, a educação e a cidadania são de responsabilidade de todos, decorrem inclusive das decisões dos que já estão mortos. É preciso reassumir o mundo.

Cumpre agora aqui perguntar o que distingue então ética, educação e cidadania? Por que essas matérias vêm discutidas em bloco? Por que é que temos a sensação de já sabermos sobre elas ainda que não tivéssemos lido nada sobre isso? Qual o tamanho da leveza – da facilidade do discurso – e do peso – da dificuldade de atitude? O que eu tenho a ver com isso? E o que os outros tem a ver com isso?

Ética

A ética é essencialmente uma ciência prática, uma sabedoria preocupada com a ação. Etimologicamente, vem de “ethos” que, em grego (ἔθος/ηθοζ), significa o hábito de uma pessoa, o modo de ser de uma pessoa e também o hábito de uma comunidade,  modo de ser de uma comunidade/cidade. Ética, sendo modo de ser de uma pessoa, significa disposição da alma de um determinado modo, o caráter daquele indivíduo, sendo modo de ser de uma comunidade/cidade, significa dizer uma disposição de normas, um conjunto de valores, os costumes de um povo, o caráter daquele Estado. O “ethos” é um comportamento da alma humana, e um comportamento de uma comunidade. Em ambos, ele é resultado da autodeterminação humana, seja em sentido pessoal – os hábitos daquele sujeito, seja em sentido coletivo – os hábitos daquele grupo.

Isso implica em dizer que a ética guarda em si a descoberta do humano sobre si mesmo. Aquilo que acontece a volta de nós, fomos nós que demos causa. A Ethica Nicomachea de Aristóteles é talvez o livro primeiro na busca humana pela compreensão de si. Aristóteles defende lá que os homems estão todos na busca pela felicidade. Tudo que fazem, fazem para ser feliz. A felicidade pode ser compreendida em diversos sentidos para cada um, se se fizer a pergunta por ela, mas ela é em si, o fim último de todos, aquilo para qual realizamos todas as ações.

Os gregos não separavam, como os modernos do século XIX, o indivíduo da sua coletividade, para os gregos, a coletividade precedia à construção do indivíduo. A felicidade do indivíduo era completamente dependente da felicidade da sua própria comunidade. Para fins de esclarecimento, é forçoso reconhecer que algumas teorias contemporâneas (é o caso das teorias comunitaristas, por exemplo) seguiram mesma tendência, a saber, preferem a coletividade, a tradição, como algo construído anteriormente ao humano, defendem que ele decorre daquela, mas outras teorias (é o caso das teorias liberais) enfatizam a construção do indivíduo antes da construção coletiva. E a comunidade, a sociedade seria então um resultado dos seus membros.

Importa saber aqui que a construção daquilo que o ser humano é depende de suas próprias decisões. O homem resulta daquilo que ele próprio faz. Mas ele depende também das decisões das comunidades as quais pertencem, ou pertenceu sua ancestralidade e, por que não, depende das comunidades imaginadas em que quer pertencer no futuro. A língua que falamos, por exemplo, é fruto da escolha de outro (provavelmente dos pais e ancestrais). A Igreja que frequentamos pode ter sido escolha de outros também, está bastante relacionada à comunidade a qual pertencemos (ainda que seja depois validada por nós). A Faculdade e/ou trabalho é um exemplo de escolha que, salvo exceções, são nossas.

Em maior ou menor grau, o contrário também é verdadeiro, a construção daquilo que é uma comunidade, uma cidade, depende do conjunto de normas e costumes que se escolhe, mas também depende daqueles membros que dela participa, daqueles que participaram no passado e que por ventura decidiram e formaram a história da cidade, da comunidade, vindo ela ser o que é hoje. A opção por regime democrático de governo, por um sistema baseado na moeda, são decisões que dependeram de escolhas feitas lá trás. E são decisões que podem ser diferentes no futuro. A cidade depende daqueles que ainda podem vir a participar no futuro (é o caso das mudanças legislativas que acolhem nacionalidades vizinhas, incorporando estrangeiros e ampliando seu sentido de igualdade, por exemplo).

A felicidade do indivíduo e a felicidade da comunidade, da cidade, em alguma medida, andam juntas. Essa construção não é uma construção pacífica, pelo contrário, é uma construção conflituosa. A política é permanentemente o terreno onde são travadas as disputas, é o terreno onde o conflito é natural, que ora são priorizados alguns grupos, alguns interesses, ora são priorizados outros. A escolha por se viver numa democracia, por exemplo, é uma tentativa de priorizar vários grupos ao mesmo tempo, é uma tentativa de dar visibilidade contínua a pluralidade de grupos. A democracia é uma tentativa ambiciosa e radical de ampliar perenemente a participação política de todos na cidade, no Estado, para que se priorize todos simultaneamente.

Conforme Aristóteles defende na Ethica a Nichomaco, a construção do caráter, do “ethos”, pauta-se pela construção da virtude. A virtude é a priorização do público, daquilo que é coletivo, sobre o privado, aquilo que é puramente individual. A virtude é a qualidade do homem virtuoso. E o homem virtuoso é aquele que sabe que a comunidade, sendo mais universal que a família, e a família mais universal do que ele próprio, tem prioridades distintas. A virtude, forjada na relação de si com o outro, prioriza o cuidado permanente com o que é de todos em detrimento do que é individual. A virtude é constituída pelo hábito de escolher bem, desejando o meio termo, a justa medida em cada situação. São exemplos de virtude: a justiça, a coragem, a temperança, a generosidade, a magnificência, etc. Todas as virtudes são o meio termo entre dois extremos, e se for virtuoso o sujeito, na relação com o outro tomará sempre a melhor decisão, a decisão mais justa.

É preciso que o homem, diante de suas ações, tenha um comportamento correto em relação às emoções, controlando-as, ponderando-as para que se possa escolher sempre o meio termo referente a sua ação e assim se tornar um bom homem. Ainda, é preciso que o homem seja justo na relação com o outro. A corrupção é oposta à justiça. Torna-se corrupto, quando os interesses individuais se sobrepõem aos interesses coletivos, violando-os. A educação das emoções no sentido correto do justo é fundamental para que se passe a desejar o justo, o bom. Para que se sinta disposto à justiça, e não à corrupção. Uma educação que privilegia somente o prazer, o beneficio próprio em detrimento do outro, é uma educação em si corrupta, injusta. Em oposição ao desenvolvimento das virtudes, o homem pode, por suas ações, ter um comportamento incorreto em relação à emoção ao escolher, não o meio termo, mas o excesso ou a falta. Comportar-se sempre preferindo os extremos.

Os vícios, portanto, têm como essência os extremos: o excesso ou a falta. E a virtude tem como essência a ponderação perfeita: o meio termo. Parece fácil, mas não é.  A virtude é o que mais há de humanidade no homem, é o exercício completo e perfeito da sua própria função. O homem virtuoso é aquele que cumpre bem sua tarefa.

Ser justo, ser virtuoso e civil é tarefa árdua. Carregamos a nossa história individual, sempre com traumas, dificuldades, e a história da nossa comunidade, com guerras ou surtos de violência, leis discriminadoras, o tempo todo quando nos levantamos da cama até a hora de dormir. Com o progresso técnico, ainda carregamos as histórias que surgem dos contatos com um número grande de comunidades diferentes. Ser virtuoso, e saber com prudência qual a melhor forma de agir, diante de variadas redes de leis, diante do conhecimento de distintos costumes, e ainda diante da possibilidade – culpa da descoberta no século XIX da psicologia – de inconsciência de nossas próprias ações. Essa última tem ainda um sentido especial que os gregos desconheciam.

Influenciamos o outro através de atitudes que podem não ser conscientes. É possível que a reação de medo de uma mãe branca de classe alta, que aperta o braço do filho ao ver um negro de classe baixa na rua tenha mais efeito do que 100 páginas de um livro sobre racismo que a criança leia na adolescência, ou uma aula que assista de um professor. No mundo contemporâneo, tornar-se virtuoso é levar muitas variáveis em consideração. Tornar-se virtuoso além de ser um aprender a reagir educadamente, exige-se uma vigília de si mesmo constante e uma vigília das decisões da comunidade permanente. A etapa familiar da educação é bastante valorizada pela psicologia, ou seja, as reações e ações familiares com a criança tem peso forte na vida. Mas como diria o empreendedor social Tião Rocha “Aprendi em Moçambique que pra educar uma criança é preciso uma tribo inteira”. Quando obedecemos ou não os pais, quando copiamos inconscientemente atitudes de professores e amigos, quando damos e ouvimos conselhos das/para as pessoas, quando absorvemos a história da conduta dos povos que nos formam e nos cercam, quando assistimos filmes ou lemos um livro de literatura, estamos constantemente sendo influenciados, educando os outros e nos educando. As decisões,  inclusive se ignoramos ou desprezamos um determinado grupo, formam a contínua história da comunidade. Veremos agora do que cuida a educação.

Educação

Educar vem do latim “educare” e significa “conduzir para fora”, descobrir algo. No sentido popular, a educação esteve bastante relacionada à ética, ao sentido comportamental, de “hábitos adquiridos”. Quando alguém diz “ele não tem educação”, logo se pensa que não se sabe se comportar adequadamente. A instrução escolar é uma pequena parte do sentido de educação. A educação é o processo reconhecido de formação permanente. De acordo com a lei brasileira de diretrizes básicas para uma educação nacional, e educação se divide em a. Educação Infantil, b. Educação Fundamental, c. Ensino Médio, d. Educação de Jovens e Adultos, e. Ensino Técnico, f. Ensino Superior (Licenciatura, Bacharelado, Tecnológico), g. Pós-Graduação/Especialização, h. Mestrado, i. Doutorado, e  j. Pós-Doutorado.

Na modernidade, a crença no progresso, a busca pela ampliação das liberdades, e por força do processo industrial, a educação enquanto conhecimento acerca das coisas passou a ser entendida como fator principal de produção. Exigiu-se, como no processo de produção industrial, que a educação estivesse cada vez mais especializada. Daí a necessidade de disciplinas, séries, ensino técnico especializado, ensino superior também especializado. Essa seria a melhor forma para que houvesse uma busca pela “qualidade de vida”. Quanto maior o nível atingido de educação pelas pessoas, mais qualidade de vida haveria no seu país.

No campo do discurso econômico, a “qualidade de vida” é confundida muitas vezes com a “quantidade” de vida. Isso significa que o sentido de qualidade absorveu o sentido de “quantidade”, daí o predomínio de índices qualitativos e inúmeras avaliações no campo da educação (MANTOAN, 2001, P.16). Sem dúvida que os índices e as avaliações formam um panorama que não pode ser ignorado por nenhum educador, mas são passíveis de interpretações, e não implicam necessariamente em uma fotografia da realidade.

A educação é levantada como principal combustível para a diminuição das desigualdades tantos sociais como econômicas. No campo social, a educação permite o convívio com o diferente, permite o crescimento pessoal. No campo econômico, a educação é a base da tecnologia, é a base do poder de adquirir ferramentas para o desenvolvimento. A educação também dá o acesso ao mercado de trabalho mais qualificado, tornando sustentável uma vida melhor. Ainda, a educação é redutora da violência, pela ampliação do diálogo, da capacidade de comunicação não violenta, a educação pode reduzir a criminalidade numa sociedade. Às vezes o campo econômico parece ser mais determinante na esfera da educação.

Exemplo dessa discussão foi o surgimento e a relevância do índice IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em detrimento do índice PIB (Produto Interno Bruto) para medir a qualidade de vida e desenvolvimento de um país. Embora os índices sejam não uma fotografia da realidade, mas um indício/ um elemento que pode nos transportar a uma avaliação mais qualificada da realidade de determinado país, a mudança teve grandes impactos para se pensar a educação. Enquanto que o PIB revelava a produção econômica gerada no país em determinado ano, e nos dava uma dimensão por demasiado pobre do efetivo desenvolvimento daquele país. Afinal, não se podiam fazer comparações lógicas a partir apenas dos PIBs para diferenciar um país rico de um pobre, o IDH apareceu como alternativa que levava em conta, além da produção econômica, taxas de escolarização e índice de mortalidade infantil (MANTOAN, 2001, P.19).

A relação economia-educação/ética na modernidade, pelo menos no campo teórico, é um relação necessariamente tensa. É notório a partir do século XIX o predomínio das análises econômicas matemáticas com modelos prévios para explicar a realidade, em detrimento de análises históricas comparativas. Houve com isso um descolamento da ética e da economia, por certa confusão desses modelos matemáticos como “explicadores universais”. Trata-se a economia como uma ciência exata, ou ainda, como um “dado natural”, em detrimento de uma decisão política, disputável. Sem querer aqui aprofundar no debate espinhoso do terreno, qualquer comparação entre qualidade em âmbito econômico, como é o caso da qualidade empresarial que se verifica por valores (de produtividade/de lucro/de supremacia da felicidade dos clientes…) nem sempre são combináveis com os valores que percorrem a educação e a ética (de felicidade dos cidadãos/de respeito às diferenças/de cidadania/de importância do outro/ da preponderância do coletivo sobre o individual/ da solidariedade na construção de si). A incorporação do Programa Permanente da Qualidade e Produtividade no Serviço Público (decreto 40.536/1995) e a Portaria GR2.895/1996 – Comissão de Gestão da Qualidade e Produtividade revela um pouco essa tensão, ao incorporar valores empresariais aos valores educacionais (MANTOAN, 2001, P.14).

Porém, a falta também de preocupação por parte dos educadores com as condições e implicações econômicas, com o retorno dos investimentos na educação não é salutar. O processo formador permanente que é a educação deve ser ético e deve ser viável de um ponto de vista econômico, uma vez que a economia é a sustentação dos inúmeros projetos de uma sociedade. A economia não deve aceitar, nem mesmo no campo teórico, ser apartada dos valores éticos de uma sociedade. A economia não é uma técnica. Não é completamente mensurável, é histórica, como todos os campos do saber, inclusive a matemática e a biologia, é também fruto de uma decisão moral/valorativa.

A forma de apreensão do conhecimento está mudando, o formato industrial está perdendo lugar para o formato em rede de apreensão do conhecimento. Não só pelos avanços da internet, mas também pela qualidade da “experiência” no campo da qualidade de vida, em detrimento da qualidade “técnica”. Isso implica em repensar a forma que o conhecimento é apreendido nas escolas, na família, no trabalho. A educação permanente que privilegia as experiências em detrimento da técnica, que prioriza a qualidade das relações, precisa de um projeto distinto:

« A palavra projeto costuma ser associada tanto ao trabalho do arquiteto ou do engenheiro quanto aos trabalhos acadêmicos ou aos planos de ação educacional, política ou econômica. Em todos os casos, três são os ingredientes fundamentais sem os quais não se pode ter senão uma pálida ideia do significado de tal palavra: futuro (antecipação), abertura (não-determinação) e sujeito (quem realiza a ação). De maneira sintética, poderíamos afirmar: se não há futuro, não se fazem projetos (ou, simetricamente, se não se fazem projetos, não há futuro); se o futuro existe, mas se encontra totalmente determinado, também não há projetos; e principalmente, sem sujeitos, não há projetos, ou seja, não se pode ter projetos pelo outro. (MANTOAN,2001,P27) »

A própria definição aristotélica de “escravo”, na Política, era aquele que não realiza o próprio projeto, mas sim o projeto de outro. Pensemos no caso da corrupção. A corrupção é um problema que acontece não só nas estruturas públicas, mas também nas privadas, nas escolas e na família. Quando um pai oferece um presente ao filho, caso ele faça o dever de casa, introduz ali um elemento corruptível. Ora, o dever, por ser dever, não deveria estar associado a um ganho. Nas escolas, quando o aluno se sente à vontade de colar na prova, e o professor ignora, ou ainda nas empresas quando há uma promoção para um empregado que possui uma afinidade parental, e não recebe pelo mérito. Na área pública é mais notória a corrupção, quando há desvio de verba, favorecimento por conta de relações pessoais, e por aí vai. É necessário que haja uma educação para evitar todos os tipos de corrupção, desde a conduta pequena no núcleo familiar, até a conduta mais prejudicial nos cargos públicos, que envolvem dinheiro público.

O Brasil precisa de um projeto educacional que foque na solução dos problemas, regionais e nacionais. Para isso, toda a sociedade deve estar comprometida e todos devem reassumir o mundo. Aqueles que se formam nas universidades públicas, que portanto devem à própria sociedade a sua formação são os primeiros a serem chamados na hora do retorno social. Aprender igualdade entre iguais não é a mesma coisa do que aprender a igualdade entre diferentes. É preciso aumentar a pluralidade no sistema. Se há poucas mulheres na câmara dos deputados (9% apenas), se há poucos negros nas universidades públicas, se há poucos índios no cenário nacional político, se, portanto há pouca pluralidade nas instituições, privadas e públicas, há pouco convívio para igualdade, há pouco convívio com as diferenças. Enquanto a escola pública for homogênea em termos de classe sócio-econômica, assim como a escola privada e as universidades públicas também são homogêneas, haverá muita dificuldade para o exercício da cidadania.

Cidadania

O próprio termo “cidadão” vem de “civita” em latim que siginifica ser da cidade, (em grego está relacionado ao termo “politikos” – ser da polis). Historicamente, a cidadania esteve associada à participação política, que hoje se traduz na igualdade em direitos. O lado público se sobrepunha ao lado individual, e até mesmo “cidadão” se opunha ao humano no sentido individual. Cidadania portanto existia para aqueles que eram iguais. Em Atenas, só uma pequena parte de bens nascidos era considerada igual, e portanto eram cidadãos. Mulheres, escravos e estrangeiros não eram considerados cidadãos. Hoje, há um imperativo para que reconheçamos que todos são iguais em direitos. Na constituição brasileira, bem como nos tratados de direitos humanos, é enfático o reconhecimento da igualdade entre todos. Na prática ainda falta muito. O reconhecimento de direitos políticos individuais e direitos sociais para imigrantes, refugiados e aqueles que estão aquém de terem efetivados os seus direitos sociais e econômicos não possuem cidadania.

A cidadania pretende não só conferir aos humanos direitos políticos, como ampla participação na política, mas também na sociedade e na economia. Ser cidadão implica em ter poder de intervenção e construção da realidade, no projeto da cidade, no projeto de país e de mundo. Se por um lado somos iguais em direitos, por outro lado, somos diferentes como pessoas. O valor da igualdade como o valor da diferença devem ser reconhecidas para o exercício da cidadania. E é nesse ponto que voltamos para o estudo da ética para completar o raciocínio da cidadania. Uma vez que desde a Revolução Francesa passamos exaustivamente pelo discurso dos Direitos Humanos, precisamos agora passar para um segundo momento de discurso sobre os Deveres Humanos. A descoberta aristotélica mais fundamental sobre a ética foi que o discurso ético tange o objeto, tange a própria ética. Falar sobre virtudes tornava os homens virtuosos. Portanto falar de deveres humanos é pretender tornar o homem responsável por si e mais virtuoso.

Quais seriam eles? Obviamente que eles se relacionam com a história cultural dos povos. Sobre esses deveres, já reconhecemos a necessidade de inclusão da diferença. Para incluir os diferentes é preciso que estejamos preparados. É preciso nos obrigar a um compromisso com o diferente. Já detectamos, na história do ocidente, também que alguns grupos se autodeclararam diferentemente tratados ao longo da história: a mulher tardou em relação ao reconhecimento da igualdade aos homens, os negros e mulatos em relação aos brancos, os indígenas em relação aos não-indígenas. Isso pra falar apenas do Brasil.

Cidadania pressupõe então o reconhecimento de direitos, pelo Estado, pelas grandes multinacionais, pelas organizações, e pressupõe também estar comprometido com a ampliação da participação dos diferentes na política, na sociedade e na economia. Ser cidadão é estar vigilante com a própria conduta. Manifestar-se e silenciar-se de acordo com a ampliação dessas liberdades. Se a conduta familiar, escolar, no campo do trabalho é uma conduta que privilegia a participação das diferenças, que prioriza o bom relacionamento com as diferenças ou não, a conduta é omissa em relação ao passado.

As decisões passadas, daqueles que já morreram, influenciam em quem somos hoje.  As gerações futuras, que queiramos que sobrevivam em um ambiente melhor influem também nas decisões do presente. A história é o lugar que nos permite compreender as falhas e não repetir os erros do passado. A história permite encontrar os deveres atuais. Que não são poucos, que não são fáceis.

Conclusão

A ética, a educação e a cidadania tem em comum: nos preparar para a ação humana. Se a ética corresponde ao conjunto de virtudes que sustentam o humano, ou o conjunto de valores que formam as sociedades, a educação também se identifica com os valores na medida que vai construindo as ferramentas que permitem uma melhor sustentação no mercado de trabalho, na universidade, nos órgãos decisórios e permite uma melhor relação com o outro no mundo. A cidadania é justamente a permanente construção de si em vista do outro, é atitude passiva (sujeita de direitos) e ativa (sujeita de responsabilidades, de deveres). Já nascemos com um nome que não foi dado por nós, com uma língua que também não foi por nós escolhida, em um determinado local que conta com empresas pré-existentes, instituições religiosas construídas no passado. Passamos então a validar decisões que não foram tomadas por nós e construir outras, às vezes contrárias às primeiras, às vezes apenas diferentes, vamos por outros caminhos. Participamos das decisões da cidade, na medida em que escolhemos se vamos sair de carro e endossar uma política ‘x’ de diminuição da poluição, ou se vamos sair de bicicleta e endossar uma política ‘y’. Estamos abertos às possibilidades, e incompletos, construindo a sociedade e si mesmo cada dia.

Participamos da economia quando decidimos o que produzir, o que comprar, onde consumir. E assim vamos… das decisões tomadas no âmbito do condomínio, do bairro, da faculdade, até as decisões tomadas nas assembléias, nas câmaras, nos governos, nos sistemas bancários que definem parte da economia, nas multinacionais. Como agimos e reagimos às instituições que criaram por nós e que criamos importam. Como nos manifestamos e quando importam. Se legitimarmos as decisões dos outros ou deslegitimarmos importam.

Ainda que não se tenha nenhum conhecimento teórico no campo da ética, da educação, e da cidadania, como são essencialmente do domínio prático, que visam à ação humana, nenhum conhecimento é já um conhecimento. O não saber é já um saber. Não decidir é já uma decisão. A decisão de assistir TV o dia inteiro, ou ir pra rua imaginar um jeito seu de resolver um problema nosso é já uma construção de si que diz mais sobre quem você é do que você possa imaginar.

Referências

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Antônio Caeiro. São Paulo: Editora Atlas, 2009.

_____________. Política. Tradução e Notas de A. C. Amaral e C. G. Gomes. Edição Bilingue. Portugal: Ciências Sociais e Políticas/Veja Universidades,1998.

COELHO, N. M. M. S. Direito Filosofia e a Humanidade como tarefa.Juruá, 2012.

MANTOAN, M. T. E. (org.); MACHADO, N.J; SÁ de,E.D; Pensando e Fazendo Educação de Qualidade. São Paulo: Editora Moderna, 2001.

SARTRE,J.P. L’Existentialisme est un Humanisme. Les Éditions Nagel, Paris, 1970.

Site do PROJUS – http://www.usp.br/projus/

 

Texto por Larissa Barbosa Nicolosi Soares

Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP-USP). Graduada em Direito pela FDRP – USP, com período de intercâmbio em Filosofia, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL). Realiza pesquisa nas áreas: Filosofia (Filosofia Antiga, Ética e Filosofia do Direito), Direito e Literatura (Literatura Antiga), Direito e Desenvolvimento (Políticas Públicas em Educação).

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