Ever wondered how the communications were made in the Middle Ages? In a time when there was no press or telecommunications, how could people receive the news? Used to portray as a quiet place what many modern historians have called the ‘Dark Ages’, we do not think on the loudness of medieval cities and villages. But the main means of communication of the time was the scream. The ‘screamers’ were professionals on screaming that were paid for reporting private or public events. Thus, in the case of funeral news, for example, the notification and social representation of pain would consequently be greater for a family member able to hire the scream for a longer period. The richer the deceased person, more sadness could be heard in the streets: are we so far from the medieval culture as we usually think?
Text by Arthur Catraio
Nas nossas cidades — fato comum — a publicidade se espalha nos espaços urbanos, sobe os muros dos edifícios, esperam coladas nos pontos de ônibus, invadem os meios de comunicação sejam eles jornais, rádio, televisão, telefone ou internet. A presença desse tipo de comunicação é tão grande que já nos habituamos a esta forma de viver em sociedade. Estamos acostumados de tal forma, que dificilmente seríamos capazes de imaginar um mundo no qual todos esses veículos de informação não existissem. E no entanto, esse mundo é bem real, esse mundo é o nosso mundo.
Para imaginar uma tal possibilidade (hoje em dia aparentemente bastante absurda) voltarei ao que a historiografia moderna ocidental acostumou em chamar de ‘Idade Média’, e para isto o conceito de publicidade será entendido no seu sentido mais original, aquele de ‘tornar público’ qualquer informação.
Já imaginou como as publicidades eram feitas na Idade Média? Em uma época na qual não existia imprensa nem telecomunicações, como será que as pessoas recebiam notícias? Teriam eles alguma forma de saber se a cidade vizinha estava sendo atacada por exemplo? Como poderiam prevenir epidemias que se alastravam desde lugares distantes até o povoado deles? Será que não tinham meios de realizar nenhuma dessas atividades? Incrivelmente, talvez para nós que nos acostumamos a não pensar em outros modos de sociedade possível além da que nos é dada, eles o faziam. O principal meio de comunicação na idade média era o grito [1].
Habituados a retratar como lugar silencioso o que muitos historiadores modernos chamaram de ‘idade das trevas’, não pensamos na intensidade sonora das cidades e povoados medievais. De fato, como não haviam meios de produzir documentação sonora na época e o principal legado cultural de acesso à cultura medieval para nós sempre foram as igrejas ou manuscritos e artes eclesiásticas [2], retratamos geralmente esse período da história como silencioso: silêncio arquitetônico, às vezes sombrio. Mas ambas caracterizações são equivocadas, primeiramente por se chamar de ‘idade das trevas’ uma época na qual a beleza se expressava pela metáfora da luz, seja em textos religiosos seja através de vitrais. E em segundo lugar, pelo grito ser onipresente no espaço público, gerando talvez uma poluição sonora tão incômoda como as das grandes metrópoles atuais repletas de automóveis, buzinas e tráfego.
Mas se a idade média era tão ‘gritante’, o que esses gritos têm para nos dizer? As práticas de grito certamente variaram com o passar do tempo e obviamente a depender da variação geográfica de cada comunidade, mas algumas delas podem ser bem representativas da importancia cultural do grito durante este período. Analizaremos duas a seguir, que tratam de dois eventos universais: o nascimento e a morte.
A primeira delas envolve o rito de nascimento do ser humano: nos conta Robert Jacob, durante o nascimento do bebê os homens, incluindo o pai, eram obrigados a ficar fora do local de trabalho de parto, deixando o recinto apenas para as parteiras (mulheres) e a mãe. Assim, enquanto a mãe tinha sob a vista os primeiros sinais de vida, respiração e olhar, os homens escutavam a distância os gritos (choro) do recém nascido. Este ritual era acompanhado de uma jurisdição consuetudinária e canônica que estabelecia critérios de filiação com base em testemunho sonoro e não visual; quer dizer, o recém nascido só era registrado como filho(a) do pai e da mãe se houvessem suficientes testemunhas sonoras (que ouviram o choro do bebê logo após o parto, em geral homens fora da sala de parto) comprovando o ocorrido, de outro modo o pai poderia alegar a não veracidade da filiação e desvincular-se de suas responsabilidades paternas. Ora, entender que a prova do nascimento se dava a partir do grito (sinal de vida reservado especialmente aos homens) e não — por exemplo — da respiração, é afrontar e nulificar a palavra da mulher no espaço jurídico e sobrevalorizar a palavra do homem no espaço público.
A segunda delas, relatada por Murielle Gaude-Ferragu, diz respeito à paisagem sonora da morte. Na idade média, neste ponto parecido com as nossas formas ocidentais de luto em que os que ficam gritam e choram pela vida dos que foram, o grito era o principal meio de comunicação para expressar dor e também o principal meio de divulgação da morte de alguém (equivalente próximo às páginas funerárias dos cadernos de jornal atuais). Prova disto era a profissão bem recorrente de ‘choradeiras’, mulheres pagas para chorar e lamentar-se durante os funerais de famílias que tinham condição de as contratar. Quanto à divulgação da notícia funerária, atividade que tornava de conhecimento público a morte de alguém, ela dependia de outra profissão recorrente na Idade Média: a dos ‘gritadores’. Os gritadores eram profissionais do grito (há documentação que indica a necessidade de habilidades básicas para se encarregar da função, tal como ter boa articulação e grande profundidade na profusão vocálica) que eram pagos para noticiar eventos privados ou públicos. Por exemplo, se se tratasse da morte de um rei, os gritadores receberiam dinheiro do Estado para notificar a comunidade do ocorrido. Mas se se tratasse da morte de algum integrante de uma família qualquer, a própria família era responsável por pagar o valor necessário à atividade da função. Assim, a publicação da morte de um indivíduo bem como o luto social que circundava o evento da morte, dependia tanto das ‘choradeiras’ quanto dos gritadores.
Tendo visto estas práticas do grito comum na Idade Média, a impressão que nos pode causar é “Que excêntricos eram estes povos medievais!”. Mas serão eles tão diferentes assim de nós? Em uma cultura onde a maior participação institucional nos corpos políticos, jurídicos e religiosos ainda é reservada aos homens (quantas senadoras mulheres existem em seu país? quantas juízas no poder judiciário em comparação com o número de juízes homens? quantas líderes religiosas que não ocupam apenas um papel secundário?), quão diferentes somos dos nossos distantes conterrâneos medievais que valorizavam a voz do homem e nulificavam a voz feminina?
E o que dizer da prática dos gritos que envolvem os ritos fúnebres, com ‘choradeiras’ e gritadores de profissão? Gaude-Ferragu nos conta que a morte de um duque francês no século XV teria durado quatro dias, provavelmente com participação intensa das ‘choradeiras’, e que a divulgação da morte de um simples trabalhador rural poderia durar 1 dia ou nenhum, dependendo das condições financeiras de sua família (com certeza sem a contratação de nenhuma ‘choradeira’). A representação social da dor era consequentemente maior para aqueles indivíduos membros de famílias de melhor condição financeira. Aqui, portanto, outro elemento comum entre as nossas sociedades e as medievais: enquanto um nobre, rico ou político tinha a morte anunciada (pelos meios de comunicação da época) e lamentada durante um longo período de tempo, um indivíduo pobre não tinha a morte anunciada e a lamentação pública era pequena, senão inexistente. Realidade talvez explicável na época pelo fato das sociedades feudais, eclesiásticas ou monárquicas (não constitucionais) se basearem na desigualdade entre indivíduos de diferentes classes.
Mas atualmente, vivemos em democracias, Estados governados e instituídos com princípio de igualdade entre indivíduos e com veículos de comunicação e expressão ‘livres’. Ainda assim, após ter realizado este trabalho de imaginação no passado, seriam os chamados ‘medievais’ tão distantes assim de nós? Olhar para os medievais como costumeiramente se faz, e condenar-lhes por seus atos ‘pouco dignos’ de uma sociedade justa, não é condenar a própria barbárie da desigualdade presente em nossas democracias atuais? Parece portanto ser necessário mudar o presente, para que dentro de alguns séculos, ou milênios, os historiadores não olhem para o século XXI e digam “quão bárbaros! quão excêntricos!”.
[1] Para toda a análise que se segue cf. Publications de la Sorbonne, Haro! Noël! Oyé!, Pratiques du cri au Moyen Âge, Paris, 2003.
[2] Nota-se que mesmo a representação do grito nas artes visuais é de difícil percepção em grande parte da arte sacra, devido ao fato dos personagens que gritam—de acordo com recitais bíblicos eg.—serem apresentados de boca fechada. Cf. Op. cit.